sexta-feira, 5 de julho de 2013

Notícias de além mar!

No passado dia 2, recebi um e-mail de uma amiga querida, dando-me notícias do Brasil. Dizia assim:
"Oi Nubinha,
E aí, como está? Espero que em paz e com saúde... Já viu como está nosso país? Um caos, o povo nas ruas, bombas de gás lacrimogênio, tiros de borracha e depredações. Hoje várias estradas foram fechadas. Para completar Dilma insiste em plebiscito. Acabou de enviar mensagem ao Congresso. Sei não! Será que caminhamos para uma segunda Venezuela, Bolívia ou mesmo Argentina? Ainda há pouco o Jornal falava sobre a queda da produção industrial pelo quarto mês consecutivo. A inflação começa a aparecer novamente, mesmo de forma discreta. A coisa tá ficando complicada. Como dizem os cartazes nas ruas: 'O povo acordou'.
E as nossas lindas meninas? Beijos nelas. Diga a Lu, que mando um 'abraço apertado, um sorriso dobrado e um amor sem fim'".
E pensei: "Logo agora que estamos consensualmente de olho no lado de lá!". Respondi-lhe rapidamente, mais ou menos assim: 
"... Não sei, mas estamos naquela 'se correr o bicho pega, se ficar o bicho come'. Porque aqui a situação do país não é melhor. O Governo tá caindo, Ministros se demitindo, querem eleições antecipadas, o povo nas ruas, o caos também... Acho melhor irmos para a China!".

Claro que brinquei com a situação! Mas depois fui pensar melhor no assunto, que por sinal não tem graça nenhuma! Eu devo primeiramente esclarecer que a minha amiga é assumidamente de "Centro mais para a Direita" (se é que isto é possível!) e, como é óbvio, nunca simpatizou com nenhum Governo inclinado a posições "esquerdistas". E devo também dizer que eu, ao contrário, a dada altura da minha vida tornei-me defensora das causas sociais mais populares, do tipo "cara pintada" ou "Centro mais para a Esquerda" (se é que isto é possível!).

Não foi sempre assim, visto que fui educada por um pai trabalhador mas que “subiu de classe”, razão suficiente para que, sem nenhuma noção coerente de política, passasse a “preferir” os ideais favoráveis à sua condição de empregador. Talvez este upgrade em minha vida coincida com o meu ingresso na Faculdade de Direito e com o fato de ter amigos das mais diversas fações, o que contribuiu para que eu elaborasse algum esclarecimento sociopolítico, desapegado do que era suposto ser bom só para o “meu umbigo”.

Nasci e cresci num Brasil lutando pela democracia (e afirmando-se como tal), numa época em que, ilusoriamente, os juros da inflação davam rendimento a quem tinha "dinheiro aplicado". Daí porque lembro-me perfeitamente de ouvir o meu pai passar a vida a dizer: “No tempo de Figueiredo é que era bom!”, referindo-se a João Baptista Figueiredo, o último Presidente da ditadura militar brasileira. Não me envergonho de vos contar isto, o meu pai certamente não sabia o que dizia! Provavelmente, do seu lugar “confortável” nos confins do interior da Bahia, sequer se apercebia dos atos de terrorismo e da crescente dívida externa que pela primeira vez levou o Brasil a recorrer ao FMI (Fundo Monetário Internacional).

Em verdade, era a forma desorganizada que o meu pai expressava o seu medo e desesperança diante da crise económica que nos abatia precisamente nas décadas de 80 e 90. Atentem que nós éramos uma família que vivia sobretudo da agropecuária, conseguida pelas mãos calejadas do meu pai trabalhador e pseudo-cacauicultor (o que lhe concedia algum status!), sendo portanto compreensivo que praguejasse contra quem, bem no meio da crise regional cacaueira (os preços do produto despencaram e a lavoura foi devastada pela praga da vassoura-de-bruxa), resolveu confiscar os depósitos bancários dos brasileiros visando conter a espiral inflacionária. Fernando Collor de Mello deve ser na História do Brasil o Presidente com a alma mais vezes encomendada ao Diabo!

Tudo isto para vos dizer que eu não sei o que é viver num país senão em crise. Quando o Brasil começou a sua ascensão económica, eu já cá estava, em Portugal, cuja economia indicia-se em queda vertiginosa, geradora do mesmo terror, mesma desesperança e mesmo caos que me é tão familiar! Não sei se serve como indicador, mas eu cresci, estudei, formei-me, empreguei-me, poupei e comprei o meu primeiro automóvel e a minha primeira casa num país em crise. O que desejo para o futuro de minhas filhas? Que elas cresçam, estudem, formem-se, empreguem-se e aprendam a poupar num país em crise ou não.

Decerto nós somos governados, mas no nosso metro quadrado quem governa somos nós. Somos nós quem decidimos de que lado vamos estar: se do lado de quem luta ou de quem entrega as armas; se do lado de quem espera ou de quem abre o caminho. Sem ter a exata noção disto, muito cedo fui forçada a abrir o meu próprio caminho, era inquieta demais para ficar a espera que os ventos me soprassem!

Com ironia ou não, nunca antes foi tão legível e tão invocado o acordo, expresso ou tácito, que considera Portugal e Brasil dois países irmãos. Diria eu, no meu baianês refinado, que nós somos mesmo é “farinha do mesmo saco”, temos o mesmo ADN (DNA). Portanto, meus caros irmãos portugueses, falando do alto da minha experiência própria e sem nenhum princípio económico sustentável (porque de fato não o tenho, a não ser o aprendido rudemente de forma quase doméstica), a crise deve ser mesmo encarada como uma coisa que sufoca, que tira-nos o sono, rouba-nos o emprego, mata-nos o cão e saqueia-nos a casa. Contudo, nós ainda assim podemos conviver com ela, respeitando-a, sem entretanto nunca nos darmos por vencidos. A crise, no fundo, deve servir para aguçar o nosso engenho. E acho que foi isto, este ensinamento, que de mais valioso e importante o meu pai me deixou! 

Coincidências à parte, deixo-vos com a canção “Meu Caro Amigo”, de Chico Buarque. Para quem não sabe, foi uma carta-cassete que Chico Buarque e Francis Hime gravaram como forma de passar pela censura da ditadura e enviaram para o amigo Augusto Boal, que se encontrava exilado em Lisboa, mandando-lhe notícias do Brasil. Tantos anos passados, caiu como uma luva na versão moderna recriada pelo e-mail de minha amiga. Salve Chico! Ninguém, melhor do que ele, sabe falar de nós!
 
  

4 comentários:

  1. Núbia,adoro tudo que voce escreve,venho aprendendo cada dia um pouco,muito bom,gostei!É por aí mesmo...Abraço :)

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  2. Nubia! excelente minha amiga. Verbalizou muito bem o seu sentimeno. A situacao no Brasil hoje e' realmente complicada e vc empregou o termo certo: crise. Vivemos uma crise social, etica, moral, politica e economica. E tanto faz ser de direita ou esquerda (mas o que e' mesmo ser de dereita ou esquerda no Brasil hoje??) o sentimento e' um so: mudanca. E Oxala proteja para que seja para melhor.

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